AS "REFORMAS" ANTES DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Previdência Social - PEC nº 287 - Parte I: as reformas antes da Reforma1
Alex Assis de Mendonça*
Maria de Fátima Dias de Souza**
Em 05 de dezembro de 2016, o Poder Executivo apresentou na Câmara dos Deputados a PEC nº 287/2006, que trata da mais nova versão da Reforma da Previdência Social, a terceira grande modificação constitucional no desenho da previdência social pública desde o advento da atual Constituição de 1988, cujo texto sofreu a primeira modificação consoante Parecer do relator, publicado em 19 de abril de 2017, após intenso debate sobre o tema e legítima resistência de grande parcela da sociedade civil.
Em função do incremento da austeridade nos requisitos necessários para a concessão dos benefícios previdenciários, o que pode levar, a depender do caso concreto e dada a heterogeneidade da realidade brasileira, a inviabilizar a própria fruição do direito futuro à aposentadoria e à pensão por morte, a sociedade, nas suas mais diversas vertentes, finalmente começou, ainda que tardiamente, a debater sobre qual modelo de previdência social é possível reservar ao trabalhador brasileiro.
Esse talvez seja o ponto positivo da PEC – estimular a reflexão sobre o modelo de proteção previdenciária viável para a realidade do país – com a qual, as linhas que se seguirão pretendem contribuir de alguma forma, iluminando os pontos prejudiciais ao debate (anteriores ao próprio mérito da PEC) e ainda relegados às sombras do desinteresse, para só depois, em outro momento, adentrar nos aspectos relevantes da PEC em si e nos seus efeitos prováveis no custeio do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e na (des)proteção previdenciária dos trabalhadores.
Muito se tem discutido por diversas entidades de classe (ANFIP, OAB, AJUFE, SINAT,...), ONGs e nas redes sociais sobre pontos da PEC, como a inclusão de idade mínima para a aposentadoria, a igualdade ou não dos requisitos de aposentadoria entre homens e mulheres, a uniformização das regras dos regime de previdência públicos (RGPS e os Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS dos servidores públicos), entre outros assuntos. No entanto, antes de enfrentar tais itens, é imperioso tratar de duas questões antecedentes, que estão sendo “esquecidas” pelo Estado e que seguem ausentes nos debates públicos.
Trata-se de temas sem os quais não há como saber qual deve ser a “calibragem” da Reforma que se pretende implementar, uma vez que para se equilibrar receitas e despesas, que é o que se pretende em qualquer regime previdenciário, não apenas no momento presente, mas sobretudo ao longo do tempo (como preconiza o princípio do “equilíbrio financeiro e atuarial” desde a EC Nº 20/1998), não basta reduzir despesas (que é o que se propõe, basicamente, com a PEC). É necessário, primeiro, saber quais receitas e despesas devem ser consideradas nessa conta, ou seja, qual metodologia deve ser aplicada e, segundo, como está a dinâmica de captação e preservação das receitas previdenciárias, por meio dos processos administrativo fiscal (PAF) e judicial (execução fiscal), bem como pela revisão das desonerações tributárias que impactam o orçamento da Seguridade Social.
Todas as modificações no desenho da previdência social pública, sob a égide do atual texto constitucional, trazidas pelas Emendas Constitucionais nº 20, de 1998, nº 41, de 2003, nº 47, de 2005, nº 70, de 2012, e nº 88, de 2015, sempre focaram substancialmente nos benefícios previdenciários, ou seja, no campo das despesas (reduzindo direitos). Mas, fazer reforma da previdência social não se resume a modificações nas despesas. As receitas são igualmente importantes e sua forma de captação e preservação também deve sofrer ajustes.
Por isso, redesenhar o processo administrativo fiscal e a execução fiscal, tornando-os mais eficientes e céleres, além de minimizar as desonerações previdenciárias também é fazer reforma da previdência social.
Todavia, antes de tudo, fixar a metodologia de cálculo da apuração do resultado do orçamento da Seguridade Social, estabelecendo quais receitas e despesas devem ser consideradas é essencial, pois, sem isso, não é possível saber o quanto de despesa deve ser reduzido e o porquê.
Atualmente, no que se refere a essa metodologia, existem, ao menos, duas vertentes que duelam entre si e apresentam resultados bastante distintos. A primeira, sustentada pelo Governo e não constante na exposição de motivos da PEC, afirma ser deficitária a Previdência Social. A segunda, defendida há mais de 10 anos pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – ANFIP, afirma ser superavitária a Seguridade Social. A primeira supõe ser possível destacar a Previdência Social da Seguridade Social. A segunda parte da premissa que a Previdência Social, como parte integrante do sistema da Seguridade Social, é incindível desta. Mas, qual das duas metodologias é a correta? Qual parâmetro pode ser usado para se aferir tal correção?
Para responder a essas questões é preciso conhecer o modelo de proteção previdenciária adotado no Brasil. Antes de 1988, os trabalhadores rurais eram aposentados recebendo apenas metade do valor do salário-mínimo. Com o advento da Constituição de 1988, os trabalhadores urbanos e rurais passaram a ter os mesmo direitos (art. 7º). Com isso, todos os benefícios dos trabalhadores rurais tiverem um reajuste de 100%, sem, contudo, haver o prévio custeio para tal. O legislador constituinte originário não concebia a previdência social como um regime eminentemente contributivo. Previdência social e assistência social, não raro, confundiam-se.
No entanto, essa confusão foi acertadamente desfeita com a EC nº 20, de 1998, que estabeleceu a contributividade como característica essencial da previdência social, tanto no RGPS (art. 201), quanto nos RPPS (art. 40), mas a igualdade de tratamento entre os trabalhadores urbanos e rurais já estava posta, o que é correto ante ao princípio da dignidade da pessoa humana.
O problema foi que, embora tenha sido instituída a igualdade nos benefícios (despesa), o mesmo não ocorreu na tributação (receita). A forma de contribuição de boa parcela dos trabalhadores rurais, quando atuam como segurados especiais, sempre foi diferenciada (um modesto percentual sobre a comercialização da sua produção rural), ou seja, uma contribuição menor e inconstante, quando comparada com a dos trabalhadores urbanos. Em outros termos, as contribuições desses segurados especiais nunca foram suficientes para custear os seus benefícios previdenciários.
O Constituinte de 1988, sabendo disso, instituiu um sistema novo de proteção social, inexistente nas constituições anteriores, fundado na solidariedade, denominado de “Seguridade Social”, compreendo, de forma integrada, a previdência social, a assistência social e a saúde, pois sabia que as duas primeiras partes se confundiam, na sua origem. Assim, criou contribuições sociais que financiam concorrentemente as três partes. Além dessas, reservou também, desta feita exclusivamente para o custeio da Previdência Social (art. 167, inciso XI), as contribuições sociais previdenciárias (incidentes sobre a folha de pagamento ou remuneração).
Dessa forma, não há como cindir a Previdência Social da Seguridade Social, pois existem benefícios previdenciários (os destinados aos trabalhadores rurais) que mais se assemelham a benefícios assistenciais, já que não possuem o custeio correspondente, assim como existem outras contribuições sociais (sobre a receita, faturamento, lucro, receita de concurso de prognósticos) destinadas ao custeio da saúde, da assistência social e também da previdência social, indistintamente.
Portanto, o melhor parâmetro para verificar a correção da metodologia é o sistema inaugurado pelo próprio texto constitucional de 1988. Logo, o método de cálculo mais compatível com a Constituição é o que deve ser adotado.
E segundo esse parâmetro, o método que mais se aproxima do que preconiza a Constituição é o utilizado pela ANFIP, uma vez que o apresentado pelo Governo2 mistura o RGPS, que é parte integrante da Seguridade Social (arts. 194 a 204), com o Regime Próprio dos Servidores Públicos - RPPS (previsto no art. 40) e com o regime previdenciário dos militares (art. 142), computando, portanto, na conta da Previdência Social, receitas e despesas desses dois últimos regimes previdenciários, que lhes são estranhos.
Pelos dados do Governo, então, a Previdência Social (somando os benefícios previdenciários dos trabalhadores urbanos e rurais), tem sido deficitária. Em 2012, o déficit foi de 40,8 bilhões; em 2013, 49,9 bilhões; em 2014, 56,7 bilhões; em 2015, 85,8 bilhões; e, em 2016, 149,7 bilhões.

Contudo, nesse mesmo período, com base na metodologia do próprio Governo, se separarmos a previdência dos trabalhadores urbanos da previdência dos rurais, verificaremos que a previdência dos primeiros foi superavitária até 2015 e apenas em 2016, tornou-se deficitária. Segundo tais dados3, a aposentadoria rural responde por mais da metade do déficit da Previdência e o maior problema, nesse caso, é que como a prova do cumprimento dos requisitos para a obtenção dessa aposentadoria não é o tempo de contribuição, mas o tempo de atividade rural, há muitas fraudes na formação dos documentos para comprovação dessa atividade, o que reclama um processo constante de revisão da concessão desse tipo de benefício, que embora seja considerado de natureza previdenciária, frise-se, possui, em essência, natureza de benefício assistencial.
Essa equivocada metodologia, além de computar na previdência benefícios que não possuem custeio correspondente e de incluir receitas e despesas estranhas ao RGPS, ainda não registra como receita a compensação pela perda de “caixa” criada pelo legislador constituinte derivado em duas oportunidades distintas: a primeira, desde, ao menos, o ano 2000, conhecida como Desvinculação das Receitas da União (DRU), instituída pela EC nº 27 e que, desde então, vem retirando da Seguridade Social 20% das contribuições sociais que também são destinadas ao custeio da previdência social (Desvinculação que foi recentemente elevada para 30% pela EC nº 93 de 2016); e a segunda, autorizada pela EC nº 42, de 2003, e instituída pela MP nº 540, de 2011 (posteriormente convertida na Lei nº 12.546, de 2011), conhecida como a “desoneração da folha de pagamento”, que vem retirando, desde final de 2011, recursos relevantes da Previdência Social.
Dessa forma, por essa metodologia fica evidente que não há como apurar um resultado positivo na previdência social, pois nela são colocadas despesas que não possuem custeio (o caso dos trabalhadores rurais), não são colocadas receitas que dela são retiradas sem compensação (DRU e desonerações) e ainda são incluídas receitas e despesas que lhes são estranhas (RPPS e regime previdenciário dos militares).
Na verdade, a DRU reforça ainda mais a ideia de que a Seguridade Social deve ser tratada como uma unidade, pois não há como saber o valor da compensação que seria cabível apenas à Previdência Social, já que as contribuições sociais desvinculadas da Seguridade são destinadas indistintamente à saúde, à previdência social e à assistência social.
Assim, considerando as contas que deveriam constar na apuração do resultado da Seguridade Social como um todo, como a Constituição determina, ou seja, todas as receitas e despesas da Seguridade Social, constitucionais e legais, segundo os dados da Análise da Seguridade Social de 2015, da Fundação Anfip4, a Seguridade Social tem apresentado resultado superavitário há mais de dez anos. Em 2012, o superávit foi de 53 bilhões; em 2013, 76 bilhões; em 2014, 54 bilhões; e, em 2015, 11 bilhões.




Por essa segunda metodologia, mais compatível com a Constituição da República, embora o resultado da Seguridade Social não indique déficit, ele também evidencia que as despesas estão crescendo acima das receitas e que, talvez em 2016, o resultado já seja negativo5, o que demonstra que ajustes no sistema, para conter despesas ou aumentar receitas, precisam ser feitos, mas não necessariamente os apresentados pela PEC nº 287.
Contudo, esse entendimento não foi acolhido pelo Excelentíssimo Senhor relator da PEC 287-A, Deputado Arthur Oliveira Maia, em cujo recente Parecer minimizou a importância da fixação dessa metodologia, “preferindo”, sem externar a devida motivação, a metodologia que propaga o déficit, conforme se depreende da parte do seu voto a seguir transcrito:
[...] Outro aspecto que causou desnecessária celeuma na apreciação da PEC repousa na acalorada discussão em torno da existência de déficit no sistema previdenciário. Formaram-se duas correntes, uma que sustenta um considerável rombo nesse sistema, contabilizando apenas receitas especializadas, e outra que alega sobras orçamentárias, quando se cotejam receitas e despesas relacionadas à seguridade social como um todo. Nesse último campo, registre-se, as últimas intervenções governamentais buscaram se contrapor diretamente à existência de superávit mesmo quando se leva em conta a totalidade das receitas direcionadas à seguridade social. Alegou-se que as desvinculações seriam atreladas a contrapartidas que, em última análise, não permitiriam caracterizá-las como o aproveitamento de recursos excedentes para outras finalidades. A relatoria prefere a análise feita pela primeira corrente, na medida em que, de fato, o ideal repousa na confecção de um sistema previdenciário mantido por fontes específicas, mas considera que o debate em torno do tema teve sua relevância superdimensionada.[...]”
Diante desse trecho, ao que tudo indica, reformar a previdência social apenas reduzindo “despesas” é o que continuará sendo feito. Um equivoco que, desde 1998, vem sendo insistentemente repetido. É chegada a hora de parar com essa fixação por reduzir direitos e começar a reformular o desenho dos processos de captação das receitas previdenciárias (o PAF e a Execução Fiscal) e de preservação das receitas previdenciárias (reduzindo as desonerações ou renúncias existentes).
Em agosto de 2016, havia apenas no CARF (órgão colegiado administrativo do Ministério da Fazenda de segunda instância que julga os recursos impetrados contra as decisões que preservam, ainda que em parte, os créditos tributários constituídos pelo lançamento fiscal), 613 bilhões de reais em créditos tributários aguardando julgamento. Não há divulgação de quanto desse total há de contribuições sociais destinadas a Seguridade Social (CSLL, PIS/PASEP, COFINS e contribuições previdenciárias), mas, certamente, alguns bilhões de reais deixam de ser arrecadados para o sistema com a prontidão necessária, dada a morosidade e incongruências do processo, como a diferença de “suportes normativos” das duas instâncias administrativas, uma vez que os julgadores das Delegacias de Julgamento (DRJ – primeira instância), assim como as autoridades tributárias que efetuaram o lançamento, estão vinculados aos atos normativas emitidos pela Receita Federal do Brasil, quando, ao revés, os conselheiros do CARF (em segunda instância), órgão não integrante da Receita Federal, não se encontram sujeitos a observar tais atos administrativos normativos, mas apenas os decretos, as leis do país e a Constituição da República.
A captação de receitas pelo processo judicial, por meio da execução fiscal, necessita igualmente de reparos para torná-la mais eficiente. Segundos dados da PGFN6, em janeiro de 2017, o estoque da divida ativa previdenciária alcançou a irreal quantia de 432,9 bilhões de reais. Desse total, apenas 4 bilhões são recuperados anualmente e a dívida cresce 15% ao ano. Muitas das maiores empresas devedoras, por estarem em processo de falência, dificilmente verterão alguma contribuição para a Seguridade Social, mesmo com todo o esforço e habilidade da PGFN. Como é possível se pretender fazer uma reforma da previdência sem se pensar em otimizar esses instrumentos (o PAF e a execução fiscal) para maximizar, no menor tempo possível, o recebimento desses créditos tributários-previdenciários? Qual efeito pedagógico o descaso com tais processos passa para todos os contribuintes? O dever de recolhimento tempestivo dos tributos ou o incentivo à sonegação?
Além do redesenho desses processos, impõe-se atuar na preservação das receitas já existentes, reduzindo as desonerações, imunidades ou isenções. Único aspecto que encontrou eco, em parte, na atual Administração Pública.
Iniciada pela MP n º 540, de 2011, posteriormente convertida na Lei nº 12.546, de 2011, a “desoneração da folha de pagamento”, que surgiu como um regime de tributação previdenciário substitutivo e obrigatório, foi ampliado diversas vezes para abranger cada vez mais setores da economia, sempre por medidas provisórias, e apenas em 2015 foi reduzido (com vigência a partir de janeiro de 2016), vez que, apesar do incremento das alíquotas, o regime se tornou facultativo com a Lei nº 13.161, de 2015.
Criada como medida de incentivo ao setor produtivo pelo governo federal, a desoneração da folha de pagamento representou uma renúncia fiscal por parte da União de R$ 68,710 bilhões entre 2012 e 20167, sem contudo concretizar seus dois maiores objetivos: aumentar a empregabilidade e proporcionar o crescimento econômico dos setores envolvidos.
Somente em 2017 veio o ajuste, com o advento da MP nº 774, de 30 de março de 2017, que trará, a partir de primeiro de julho de 2017, uma substancial redução da sua abrangência, reservando a faculdade da opção por esse regime de tributação substitutivo a apenas três setores da economia, quais sejam, as empresas de transporte (rodoviário coletivo, ferroviário e metroviário), de construção civil, inclusive de obras de infraestrutura e as empresas jornalísticas e de radiofusão, retornando as empresas dos demais 50 setores econômicos ao regime de recolhimento anterior das contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamento. Isso, caso a futura lei de conversão da citada MP seja aprovada e não volte a incluir outros setores econômicos nesse regime de tributação substitutivo.
Embora acertado, é inegável que para a empresa que sofre esse redesenho imprevisto (com apenas 90 dias para se readequar à nova realidade) cada vez mais desacredita da Administração Pública, pois a necessária segurança jurídica, no que se refere à previsibilidade das coisas, inerente ao Estado de Direito, desaparece, o que reduz os investimentos produtivos no país e prejudica a economia, que é o único sustento verdadeiro da Previdência Social.
É preciso que se registre: não é a reforma da previdência social que irá melhorar a economia do país. É a economia do país que, caso se desenvolva, fomentará as contratações e os acordos e convenções coletivos salariais com real poder de ganho, elevando a massa salarial e, em consequência, a previdência social, o que aconteceu no país até 2014, quando a economia começou a “fazer água”.
Nesse sentido, de reduzir as renúncias previdenciárias, a PEC nº 287 traz, ao menos, uma modificação positiva, pois retira do campo da imunidade a incidência das contribuições sociais sobre as receitas decorrentes de exportação, quando se tratam de contribuições sociais previdenciárias, dada a importância que o legislador constituinte derivado começa a emprestar a Seguridade Social.
Diversamente, aumentando a renúncia, destaca-se a expansão crescente dos setores econômicos que passam a poder optar pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional, no qual as contribuições sociais previdenciárias patronais estão inseridas, exceto no caso das poucas empresas tributadas pelo anexo IV da Lei Complementar nº 123, de 2006, e que reserva para a Previdência Social uma pequena fração do resultado de uma alíquota sobre a receita bruta da empresa. Essa expansão pode ser percebida pelas duas últimas alterações legais ocorridas na LC nº 123, de 2006, a penúltima trazida pela LC nº 147, de 2014, vigente em parte desde janeiro de 2015, e a última, que somente se tornará eficaz a partir de 01 de janeiro de 2018, publicada pela LC nº 155, de 2016.
Com isso, muitas empresas, antes impossibilitadas de participar desse regime de tributação diferenciado e mais favorável, passaram e passarão a poder ingressar, o que importará uma renúncia crescente na arrecadação previdenciária, ainda não perfeitamente mensurada e sem a necessária compensação.
Essa redução da liquidez do sistema da Seguridade Social será ainda mais aprofundada caso não haja a modulação dos efeitos, pela recente decisão do STF, em repercussão geral (tema 32), no RE 566622 da relatoria do Ministro Marco Aurélio, que considerou serem os requisitos para a fruição da imunidade devida pelas entidades beneficentes de assistência social – EBAS, quanto às contribuições previdenciárias patronais, disciplináveis apenas por lei complementar.
Não se pode perder de vista que toda renúncia tributária deve ser razoável e representar um ganho efetivo para a sociedade (em saúde, assistência social, entre outros), o qual não será proporcionado pelo Estado, mas, não raro, pelo próprio contribuinte diretamente e com mais eficiência. Ocorre, todavia, que a renúncia, ainda que relevante, quando atinge a Seguridade Social, há que ser muito ponderada, sob pena de reduzir a efetividade dos direitos sociais à previdência social, à assistência social e à saúde.
Dessa forma, frise-se mais uma vez, fazer reforma da previdência não significa apenas fazer reforma nas despesas (nos direitos), mas, acima de tudo, remodelar todo o sistema de receitas e despesas, pois só assim, consciente das receitas recolhidas e das que ainda estão por ser recebidas é que será possível mensurar o limite das despesas a que a sociedade pode ser submetida. Sem seguir essa ordem, estaremos nos preocupando em demasia com o “custo da proteção”, enxergando o ser humano não como um titular de direitos, mas como um “centro de custos” a suportar, ignorando absolutamente que a desproteção também tem o seu custo e que este poderá superar em muito aquele.
Nesse momento, em que a previdência social está para ser alterada mais uma vez, precipuamente no campo dos direitos, devemos todos parar para refletir se não há alguma reforma que deve necessariamente preceder a essa que se pretende impor com a PEC nº 287-A, a qual somente considera o “custo da proteção” e não busca apurar o “custo da desproteção”.
Não se pode ignorar que ajustes precisam ser feitos, mas o que se pretendeu enfatizar é por que não se começa com a definição e necessária transparência dos motivos da metodologia de apuração do resultado da Seguridade Social? Por que não se começa pela mudança na arquitetura da captação das receitas previdenciárias, sobretudo das receitas já devidamente constituídas pelo lançamento fiscal? E por que as renúncias previdenciárias não são acompanhadas quanto a sua efetividade social, para saber se a redução no recolhimento das contribuições previdenciárias está sendo compensada pelo retorno em benefícios à sociedade? São essas reformas antes da Reforma, que apesar de saltarem aos olhos do bom senso, seguem confortáveis na penumbra do descaso.




1Artigo originalmente publicado no sítio eletrônico Jota, o qual recomendamos a leitura pelo link: https://jota.info/artigos/as-reformas-antes-da-reforma-da-previdencia-social-09072017
2Conforme o Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS 2015, disponível em  http://www.previdencia.gov.br/wp-content/uploads/2015/08/AEPS-2015-FINAL.pdf, acessado em 17.04.2017.
5Até a elaboração desse texto, a Fundação Anfip não tinha publicado o AEPS de 2016.


*Alex Assis de Mendonça - Mestre em Direito Constitucional (UFF). Vice-líder do Grupo de Pesquisa em Direitos Fundamentais (UFF). Professor de Direito Previdenciário da EMERJ. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
**Maria de Fátima Dias de Souza - Mestranda em Direito (FND/UFRJ). Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil